Registrador imobiliário em São Paulo, Capital. Doutor em Direito Civil (UNESP), membro honorário do CeNoR da Universidade de Coimbra. Ex presidente e membro nato do Conselho Deliberativo do IRIB.

Não há novidade alguma em extinguir-se, não é mesmo?

As estrelas erram no infinito e acabam derruídas sobre si mesmas. Caem como relâmpagos desferidos ao próprio ventre.

Novidade se faz entre os vivos – nós outros, que seguimos a dura peregrinação sobre a Terra dos Homens. Proclamamos a dor da perda e nos consolamos.

Registramos em pesados livros a súbita sentença da vida: a morte. Senhora eminente, soberana, pesa o cetro fatal sobre todos nós . Só a fé nos redime, queridos amigos Só a fé inabalável de que a morte pode nos livrar de tudo que nos toca; mais do que isso não!

Ache-me pela cidade.
Sofro de complexo de acausalidade.

Aqui, agora
o tempo demora.
Meu amor é confeito
de sal e de amora.

A causa essencial de um arco teso
pode ser a liberdade de uma seta.

Nascemos cegos e néscios.
E no entanto sonhamos todas as noites com os tesouros do arco-íris.

Levanto-me de joelhos.
A manhã explode em granadas de luz
colhidas no colo de uma romã.

Como me pesa, oh Creon!,
como me pesa a espada aguda do destino.
Neste frágil vaso de almagre
encerram-se os mistérios de uma
lei que não conhece nem o tempo, nem o espaço.

O romantismo alemão é deliciosamente anti-rousseauniano. Helás! Nossa história é mais interessante que as águas compassadas. Tudo o que é vivo decai no pavoroso abismo.
“O mais profundo âmago de nossas almas está coberto de noite” (Herder).
A nossa felicidade é a soma de todas as eras.
Rousseau já era!

A pergunta busca reexistir na resposta.
Por que temos tantas respostas e
escasseiam as perguntas?
Não me responda o que não posso perguntar!
Não corresponda com o silêncio.
Sejamos desiguais nas angústias.
Sem perguntas.
Nem respostas.

É noite alta.
As damas se revelam ao perfume das estrelas.
Um rastro de luz desenha arabescos sombrios na janela.
A vida se resume num livro místico que finda
onde tudo começa.

Café.
Cabule!
Passeie no dorso de um camelo de caramelo em Cabul.
Fotografe-se!
Encabule-se!
Tire os chinelos na China e plante estrelas na palma dos pés.
Sente-se, relaxe e espirre calmamente.
Conte um conto e se encante no canto.
Recôndito.
Onde o amor se esconde?
Ora, na fruta-do-conde!
Onde se encontra?
Na onda do meu camelo de caramelo
em Cabul,
tomando café
do bule.

A chuva deita delicadamente seus cristais na relva.
O movimento das estrelas revolve o átrio de rubis
eis o tesouro secreto!
Na sala de pedra carmim, à esquerda, sempre à espreita, se acha o desideratum;
à direita, rumora o senhor marmóreo.
Acima trovejam as rochas do pensamento,
abaixo crepitam as chamas de grandes fornalhas.
No meu centro, infinito, em silêncio absoluto,
reside
o
nada.

Capte-o!
Vertedouro de águas profundas,
consuma-o.
O fim de todas as lágrimas é sempre o mar.
Amar
Às vezes o encontro amaro.
Amar santo,
Santo Amaro,
amassas e conformas o barro essencial desse jarro santo!

Querida: luneta é para a lua.
Perneta para as pernas.
Veneta para ver a delicada vênus desnuda.

Um rio, não ria.
Os rios não se emasculam pelo gênero.
Há os que correm com a delicadeza de uma Anna Livia Plurabelle.

Ermitânio Prado:
Uma ribeira, doce Cristine, uma ribeira é o que lhe falta.
Um braço frágil do mar,
não ria,
não é um rio.

“Ribeira dos meus cuidados / Minha voz é solidão” (Cecília Meireles).

Vivemos a era do esgotamento dos conteúdos.

Precipitamos no mundo dos simulacros. Já não importa, não me importo.

As essências estão reservadas para o compartimento místico que se aninha num relicário mitológico mantido atrás das telas hipercoloridas da tv de plasma.

Às vezes a realidade ressurge, inesperada, como a doença que ferroa ou o sexo que desperta a pulsão em ondas dionisíacas de calor e esgotamento.

Resta-nos a angústia existencial, que irrompe qual uma estrela negra que vacila e esboroa-se sobre si mesma.

o barro
toma a forma
que você quiser

você nem sabe
estar fazendo apenas
o que o barro quer.

(Leminski)

A genialidade de Leminski supera os lugares comuns, aborrece a mediocridade!

Lembrei-me de você, querida, quando relemos o poema de Vicente Huidobro naquele café memorável. Ele estava nas coisas – nas árvores, nas pedras… estava já em nós, no abismo que se fez de nossa cumplicidade.

Reclamam a linguagem do poeta para expressarem-se; o escriba a deles para manifestá-las. Eis um grande equívoco – “atroz equívoco”! – adverte o poeta. “Es doloroso y lleno de ternura” o deixar-se transformar na ausência absoluta de linguagem e de sentido. Há que se guardar silêncio; estar em silêncio.

Querida, quantos modos de presença experimentamos nesta jornada pela Terra dos Homens? Acordamos o timo com a nota perfeita; despertamos a agulha sensível que acusa a presença de memórias arcaicas. Vivemos em nós, tingidos do pó essencial, enovelados numa trama inexpugnável – manto sagrado das estrelas que guarda o mistério de nossas vidas.

Não me explico. Não se explique. Nada do que é certo entre nós reclama um ai. No silêncio somos como as pedras e as árvores de Huidobro. “Es doloroso y lleno de ternura”!

Huidobro

Yo estoy ausente pero en el fondo de esta ausencia
Hay la espera de mí mismo
Y esta espera es otro modo de presencia
La espera de mi retorno
Yo estoy en otros objetos
Ando en viaje dando un poco de mi vida
A ciertos árboles y a ciertas piedras
Que me han esperado muchos años
Se cansaron de esperarme y se sentaron

Yo no estoy y estoy
Estoy ausente y estoy presente en estado de espera
Ellos querrían mi lenguaje para expresarse
Y yo querría el de ellos para expresarlos
He aquí el equívoco el atroz equívoco

Angustioso lamentable
Me voy adentrando en estas plantas
Voy dejando mis ropas
Se me van cayendo las carnes
Y mi esqueleto se va revistiendo de cortezas
Me estoy haciendo árbol Cuántas cosas me he ido convirtiendo en
otras cosas…
Es doloroso y lleno de ternura

Podría dar un grito pero se espantaría la transubstanciación
Hay que guardar silencio Esperar en silencio

A introdução a este site poderia ser a advertência posta no frontispício do livro de Byung-Chul Han: “Vivo daquilo que os outros não sabem de mim” (Peter Handke).

Sonhos, divagações, o pensamento que se insinua suave e leve e repousa sob o estrado incompreensível e inescrutável da alma: disso tratamos. Como o amor: não é algo. Nem se toca, nem se fala, nem se compreende. Acha-se além de tudo o que conhecemos e desconhecemos. Sonhos de Szarkyon.

Bem-vindo ao ventre que calha entre o ocidente e o oriente. Na penumbra há síntese e as formas não se projetam como dardos de certeza vulgar.

Ermitânio Prado